Violência contra a mulher no Brasil, América Latina e no mundo
O dia 25 de novembro surgiu em homenagem às irmãs Pátria, Maria Tereza e Minerva Maribal, conhecidas como “Las Mariposas” que lutavam tanto contra a ditadura do Rafael Trujilo na República Dominicana quanto por melhorias de vida devido às questões sociais nas quais viviam em seu país. Foram duramente violentadas, torturadas e assassinadas nessa mesma data do ano 1960 por ordem do ditador. A data foi então criada durante o Primeiro Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho, em 1981 – realizado em Bogotá, na Colômbia em 1999 – e passou a ser reconhecida pela ONU como o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher.
Nosso posicionamento
As mulheres sofrem violência de forma continua e constante nos mais diversos meios, sejam eles de trabalho, estudo, na intimidade de suas casas com seus maridos e outros familiares, nos meios públicos como os de transporte, e ainda na militância e na política (ou onde quer que estejam) ou seja: em todos os âmbitos da sociedade e de maneira estrutural.
A violência contra a mulher é algo mais amplo que perpassa pelas agressões físicas, sexuais e psicológicas. Não podemos deixar de falar das perseguições, da exploração sexual e da tortura (psicológica e/ou física) que as mulheres sofrem cotidianamente, para exemplificar essa questão.
Tudo aquilo que nos impede de sermos vistas e aceitas como seres humanos e pessoas com direito à dignidade nessa sociedade injusta, capitalista, patriarcal, racista e classista gera essa mesma violência acobertada por leis injustas impostas por governos conservadores e neoliberais – inclusive os crimes e homicídios cometidos e chamados de “passionais”. Por isso, nós, mulheres da Coordenação Anarquista Brasileira (CAB) viemos aqui colocar nossa posição sobre esse importante dia de luta que deve ser lembrado e assim servir para conscientizar todas e todos ao redor do globo.
Dados e estatísticas
No Brasil 43% das mulheres sofrem agressões diariamente (coleta do Centro de Atendimento à Mulher) e no total são registrados 179 relatos de agressões por dia (dados de 2015). Em média, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada e a cada 2 minutos, 5 mulheres são espancadas (segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
No mundo inteiro, 52% das mulheres trabalhadoras já sofreram assédio sexual no ambiente de trabalho (conforme a Organização Internacional do Trabalho). É importante notar que esse número se deve aos casos de assédios que foram, de fato, reportados e não podemos esquecer que muitos casos foram subnotificados.
Infelizmente, ao redor do mundo, ainda são feitas mutilações genitais, em torno de 3 milhões de meninas e mulheres por ano sofrem essa violência em seus corpos (a partir de registros do Fundo das Nações Unidas para a Infância — UNICEF).
Feminicídio
O que hoje é devidamente conhecido como “feminicídio” é o que até ontem era denominado de “crimes passionais” – homicídios de mulheres cometidos por parentes ou familiares, conhecidos e/ou parceiros ou ex-parceiros. Porém, o que nós realmente precisamos entender, é que quando existe violência contra a mulher nas relações conjugais, não podemos tratar o assunto de tal forma chamando apenas de “crime passional”, pois o assassinato de uma mulher não é devido à uma “paixão” ou as “brigas entre casais”, mas sim à uma questão estrutural de uma sociedade machista automaticamente interligado com a desigualdade de gênero.
Estamos falando de 13 homicídios femininos por dia no Brasil (dado de registro desde 2013), taxa que colocou o país em 5º lugar no ranking mundial de homicídios de mulheres.
Em 2016, na Argentina, esses crimes também aumentaram de forma drástica, houve registro de um feminicídio a cada 30 horas. Todos os meses do ano de 2016 foram destacadas manchetes de notícias relacionadas à violência contra mulheres, onde pudemos notar casos extremamente brutais de mulheres e jovens meninas violentadas, espancadas e mortas. Um dos casos com mais repercussão foi da jovem de 16 anos que foi obrigada a ingerir drogas em alta quantidade seguido por estupro violento e consequente morte. Marchas em solidariedade foram organizadas em toda a Argentina, assim como em outros países (Brasil, Colômbia, México, Uruguai, Espanha, etc) com a consigna “Ni una Menos” (Nem uma a menos). A consigna é de ótima escolha, digamos, pois de fato nenhuma mulher merece morrer pelo simples fato de ser mulher, no entanto isso vem acontecendo (e em vários países, aumentando) em toda a América Latina e no Brasil.
Cultura do estupro e Slut Shaming
O termo “cultura do estupro” ou “rape culture” foi inicialmente utilizado pelas feministas dos anos 70 nos Estados Unidos e desenvolvido para mostrar como a sociedade culpava [e continua culpando] as próprias vítimas de abuso sexual, físico e psicológico – o que consequentemente normatizou essa violência.
Esse é um conjunto complexo de crenças que encorajam e apoiam a violência em todas as suas formas, principalmente a violência sexual. Na cultura do estupro, as mulheres vivem uma continuidade de ameaças que podem começar por cantadas de rua (assédios verbais com conotações sexuais) chegando até aos assédios físicos e/ou ao estupro.
O Slut-shaming é o fenômeno em que as pessoas degradam e/ou ridicularizam uma mulher pelas roupas, quantidade de maquiagem, por ela gostar de sexo ou por algum rumor de sua pratica em atividades sexuais, ou simplesmente por manter uma vida sexual ativa como os homens, etc. A mensagem que a sociedade patriarcal passa para as mulheres é de que sexo é ruim, que ter relações sexuais com mais de um parceiro acaba com sua dignidade… O que leva então a mesma a se sentir culpada por gostar de sexo, por ser sexualmente experiente ou simplesmente pelo fato de ter desejo sexual. Ou seja, qualquer coisa que as mulheres façam que fuja da normatividade pudica e machista será julgado como imoral e então, as mulheres e sua sexualidade se veem constantemente sob controle e vigilância de terceiros, sendo julgadas e restringidas às normas sociais.
O Slut-shaming contribui então com a cultura do estupro já que no fundo veicula a mensagem de que “não tem problema” estuprar “vadias”. Pois, pelo simples fato de fazer [ou gostar de] sexo, usar roupas apertadas ou reveladoras, elas estão automaticamente “pedindo por isto”.
O estupro é causado por homens estupradores, misoginia, violência estrutural e tolerância institucional, não pelo modo da mulher se vestir ou pela sua maquiagem. Não pela sua forma de falar ou seu modo de andar, não por ela beber [ou pela quantidade de bebida alcoólica que ela possa ter ingerido], ou por não ter sido “cuidadosa” o suficiente e muito menos por ela ser uma “vadia”. A culpa nunca é da vítima e sim do agressor, e a sociedade machista deve parar de responsabilizar e culpabilizar as mulheres por qualquer violência que elas venham a sofrer em suas vidas.
Outra grande consequência do “slut-shaming” é o suicídio de jovens e adolescentes quando são hostilizadas em suas escolas, ou entre seus pares de um modo mais geral, ou quando fotos intimas suas são vazadas na internet e então elas são perseguidas e sofrem “bullying” (nesse caso podemos chamar diretamente de slut-shaming), como aconteceu há alguns dias com Karina, uma adolescente de 15 anos de Nova Andradina (MS) que se suicidou com medo de ter suas fotos vazadas na internet.
Lei anti-aborto
Queremos deixar claro aqui nossa posição sobre o que a PEC 181 representa aos nossos olhos para todas nós mulheres. Essa PEC é um projeto de lei totalmente injusto, extremamente violento, machista e racista impulsionado pela onda conservadora e neopentecostal que existe hoje no Brasil.
Quando sabemos que 50 mil mulheres são mortas todo ano (uma a cada nove minutos), vítimas de abortos clandestinos e que a maior parte destas mulheres são mulheres pobres, negras e periféricas, viemos a entender mais uma vez que a criminalização do aborto em todas as suas formas (mesmo entendendo que uma gravidez de risco possa ser perigosa para a vida da mulher, ou até em casos de estupro, etc) é um excelente exemplo do racismo institucionalizado que vivemos em nossa sociedade.
As pobres são vítimas diretas desse massacre de massa que vivenciamos todos os dias; sendo também as maiores vítimas da ausência de políticas públicas de saúde para as mulheres. Estes 18 homens que se acham no direito de decidir por nós mulheres estão violando toda nossa liberdade, nossa autonomia, nossos direitos sobre nossas vidas e a liberdade de escolha sobre nossos próprios corpos. Mais uma vez, vemos a liberdade e os direitos das mulheres serem decididos por um grupo de engravatados, que falam em nosso nome.
De acordo com o mapa da violência (2015), o homicídio das mulheres negras cresceu em 54,2%. Em relação a violência doméstica, 58,86% são de mulheres negras. A mortalidade materna das mulheres negras também é a maior com 53,6% e são as que mais precisam abdicar de algum aspecto de nossas vidas para dar conta de todas as barreiras colocadas pela supremacia branca e patriarcal – seja o trabalho que se quer, o lazer que se gosta, a família unida, dentre tantos outros, segundo nota no dia 25 de julho da mulher negra e caribenha.
A guerra às drogas, por exemplo, justifica a morte do povo negro nas favelas. Por consequente, são as mulheres negras que mais sofrem com o extermínio de seus filhos/as, tendo em vista que muitos pais abandonam as crianças até mesmo antes de nascer.
A mídia também contribui para a sexualização do corpo da mulher negra, o que é determinante para os casos de estupros. Como exemplo típico, é a mulher negra e jovem que é a mais objetificada no Carnaval. Sem falar nas propagandas de cerveja, carro e outras mercadorias que, para serem vendidas, têm seu valor adjetivado pelo corpo feminino, na sua maioria, corpos de mulheres negras.
E mais uma vez reafirmamos que todas a mulheres merecem ter o direito sobre seus próprios corpos, suas vontades e seus desejos, e devem ser sempre respeitadas independente de qualquer coisa, pois não somos objetos e sim seres humanos com o direito à autonomia e decisões próprias.
Acreditamos que somente mudaremos nossa situação e a violência que sofremos ao longo de nossas vidas estando juntas, unidas e organizadas. Somente a luta nos dá a liberdade que buscamos, precisamos, queremos e merecemos!
Posted on 27/11/2017 by CABN
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