Coquetel molotov e o desmoramento do Estado: as classes oprimidas sofrendo suas consequências

Posted on 15/02/2013 by

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“A tortura não era um método para arrancar informações, mas uma cerimônia de confirmação do poder”
Eduardo Galeano, no Livro dos Abraços

As manchetes anunciam a todo instante, para fora de Santa Catarina, o que acontece desde outubro de 2012, quando a agente prisional Deise Fernanda de Melo foi assassinada em São Pedro de Alcântara, município da Grande Florianópolis. Deise era casada com Carlos Antônio Alves, diretor da Penitenciária de Segurança Máxima. Alertando sinais vindos de organizações criminosas de São Paulo que, no mesmo período, deixaram 20 mortes em menos de 24 horas, tais ligações, entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o PGC (Primeiro Grupo Catarinense), não são reais como se afirmava.

Ao contrário do que se pensa, no final de 2012, as ações feitas pelo PGC, facção que tem origem no maior complexo de pessoas em reclusão do sul do estado, o Presídio Santa Augusta, em Criciúma, onde acontece o primeiro ataque reivindicado pela Facção PGC, assumem uma coordenação a nível estadual, ainda dentro do sistema carcerário de SC. Uma facção criada para se opor ao PCC, rival que teria membros dentro dos presídios catarinenses, o PGC, nas paredes internas da penitenciária de São Pedro de Alcântara, decide responder aos ataques da polícia e principalmente chamar a atenção para a denúncia de tortura por parte de agentes penitenciários e tropa de choque, ações que permaneciam invisibilizadas para a maior parte da população catarinense.

É nesse contexto que a população é bombardeada pelas imagens de dezenas de ônibus incendiados e ataques contra os órgãos de segurança pública. Até o momento, 98 ataques foram realizados em 30 cidades. Enquanto isso, o governador Raimundo Colombo (PSD), na tentativa de dar uma explicação para a crise na segurança para a mídia burguesa que passou a cobrá-lo, esquivou-se se posicionando alheio, deixando entender que tinha controle sobre a situação. Para o governo, eram fatos isolados os ataques que geraram o caos que até agora vivenciamos. Pelo contrário, o caos permanece nas ruas.

Trabalhadores(as) são induzidos para o recolhimento em suas residências ao cair da noite. As madrugadas são cortadas com sons de sirenes de viaturas policiais, a classe trabalhadora é abordada por policiais militares que cumprem o seu papel de opressão no Estado. Na capital Florianópolis instituiu-se um estado de sítio permanente entre as ligações Ilha-Continente e transeuntes são abordados sem a mínima precaução, principalmente nas periferias e nos morros da cidade. O COP (Central de Operações Policiais – Captura) de Florianópolis está à frente das subidas nas encostas mais pobres (nas zonas mais ricas não houve patrulhamento), como o Maciço do Morro da Cruz, que possui 16 comunidades em torno do Centro da cidade.

Entre a polarização da violência naturalizada pelo crime organizado e a repressão do Estado, uma guerra civil camuflada gera vítimas. Em Joinville, além das abordagens policiais à classe trabalhadora, houve o assassinato do trabalhador Jean Oliveira, 22 anos, com um tiro no olho após não parar numa blitz. À mãe Sueli Messias Onofre fica a perda do filho pelas mãos da força de opressão do Estado. Enquanto isso, no transporte coletivo privado, policiais militares armados estão dentro dos ônibus para fazer a “segurança” do patrimônio privado das empresas.

No entanto, apesar de todo bombardeamento sensacionalista que se promove, poucas são as análises conjunturais que explicam o contexto de uma crise para além dos presídios em SC. Na mesma linha que, tradicionalmente converge a “opinião pública” catarinense, ou seja, na defesa da guerra contra a “impunidade” – vimos repetidamente na época do Movimento Passe Livre contra os estudantes, nas greves dos trabalhadores(as) do transporte público, da saúde e da educação – agora a elite formadora de opinião, mais raivosa que nunca, grita a todo vapor por “morte à pobreza e ao crime”. Como uma hidra que assume diferentes formas, o problema social permanece o mesmo. Atacam as conseqüências no intuito de ocultar as causas, pois a origem desse problema, que é social, tem nome.

No cenário de torturas, violências sistemáticas aos homens e mulheres em condição de cárcere, o Centro de Direitos Humanos “Maria da Graça Bráz”, de Joinville (SC), ao lado de outras entidades de direitos humanos, relatava por diferentes meios de comunicação as condições desumanas que o sistema carcerário estava organizado. Inclusive o CDH alertava a possibilidade da conjuntura prisional explodir nas ruas de Joinville, fato que a realidade presente demonstra verossímil, inclusive para outras 25 cidades catarinenses. Parte da opinião pública catarinense acordou para a violência no sistema carcerário catarinense após as divulgações de denúncias e imagens de tortura que vazaram para a TV e redes sociais dentro dos presídios à Comissão de Direitos Humanos da OAB (SC). Para um dos juízes corregedores das varas de execuções penais, o sistema penitenciário é ultrapassado e amador, sem falar que as falhas estruturais estão em ruínas – uma cultura que alimenta maus tratos, falta de atendimento médico, falta de água, luz e direitos.

Na contradição do sistema capitalista não há vencedores.

O resultado disso são respostas ineficientes do Estado, que tenta intimidar e controlar os ataques contra si, mas que é incapaz de reconhecer que a origem está na sua própria cadeia reprodutiva de violência. Interesses privados e a omissão dos governos sistematizam a falência de um aparelho democrático. Um Estado que é conivente e reage com mais violência, num ciclo incessante, perpetua a iniqüidade e a impunidade, como vemos nos casos de abusos, torturas e extermínio.

O estado de Santa Catarina, estagnado economicamente, vem enfrentando suas piores crises da história, entre o governo anterior de Luiz Henrique da Silveira (PMDB) e Raimundo Colombo (PSD), as greves na Educação, na Saúde e agora o estouro na Segurança apenas atentam para as incompetentes administrações dos governos oligárquicos e empresariais. O governador Raimundo Colombo, no dia 06 de fevereiro, foi a Brasília solicitar auxílio do Governo Federal, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, colocou à disposição 300 vagas em presídios federais para possível transferência além de disponibilizar a Força Nacional de Segurança, que deve chegar na próxima sexta-feira (15/02).

Analisamos que, da forma como se dá o tratamento para as questões de ordem prioritárias, a única preocupação está em segregar os centros urbanos (através das faxinas sociais e remoção de comunidades) para alimentar a onda dos investimentos turísticos e da especulação imobiliária.

Quanto mais violência de grupos relacionados ao tráfico, maior será a repressão contra a população, visto que o Estado em nada tende a lutar a favor dos trabalhadores(as) que já sofrem diretamente das ações por parte do sistema capitalista e do braço armado do Estado oficial e paralelo. Neste governo desmoralizado, assistimos as repressões contra os trabalhadores(as) nas greves, a criminalização dos movimentos sociais e o fechamento de escolas estaduais. Enquanto na cúpula da segurança pública revelam-se os novos “heróis” em defesa do povo, a ação da polícia desmascara a institucionalização governamental da incompetência e corrupção. O governador se defende ao dizer que a onda de violência que foi gerada deve-se à ação de seu governo na guerra contra o tráfico.

Nesse discurso do bem contra o mal, crime organizado x Estado, as maiores vítimas são as classes oprimidas, o povo que não tem o básico, não pode esperar pelos milagres dos governos que não o representa. Em face destes acontecimentos, as empresas do transporte coletivo de algumas cidades, já deram o alerta que irão pressionar o governo para que os prejuízos causados pelos ataques sejam reconstituídos por meio de tarifas ainda mais caras, como já sinaliza Florianópolis, Criciúma e Joinville.

Entendemos que a violência urbana, e em especial a crise da segurança pública em SC, chegou a níveis dramáticos, com incursões em favelas, toques de recolher, abusos de poder e tortura. O governador mente quando fala da verdadeira crise, ocultando e se escondendo por trás de seus assessores de imprensa, só vem a demonstrar sua incapacidade em reconhecer que o problema que o estado enfrenta, é, antes de tudo, fruto da desigualdade social e da dominação do Estado.

No modelo capitalista, o crescimento do tráfico e do crime organizado, junto com o processo de urbanização acelerada das cidades em Santa Catarina, reflete a exclusão social. As questões da moradia, violência urbana e da falta de empregos, originando novas favelas e centros de exclusão nas cidades estão intimamente ligadas. Com a falta de renda e condições mínimas, o acesso aos serviços básicos é precarizado pelo Estado, o que também é uma forma de violência e de injustiça social.

 Nesse sentido, vemos elites ligadas à segurança e uma população ligada à insegurança. O tráfico crescente em Florianópolis demonstra que o mapa da exclusão está vinculado à apropriação privada dos espaços coletivos urbanos, onde visivelmente ficam explícitas as diferenças sociais e territoriais. O problema de moradia nas cidades catarinenses, com pequenas ocupações de sem-teto e inúmeras favelas, sem um planejamento urbano e habitacional, favorece a lógica da informalidade e, conseqüentemente, a criminalidade e precariedade. O Estado, formador e gerador de violência social e política, é o principal culpado.

Deixamos nosso repúdio à atual administração do governo Colombo (PSD) e demais partidários deste sistema que, no nosso entendimento, só gera mais violência, deixando um grito e um alerta à população. Não somos de partidos de oposição, somos do povo! Chega de sistemas que produzem e disseminam violência!

CONTRA AS TORTURAS!
CONTRA A IMPUNIDADE!
CONTRA A FALTA DE MORADIA, SAÚDE E EDUCAÇÃO!
PELA CASSAÇÃO DOS CULPADOS!
POR TRANSPORTE GRATUITO E JUSTIÇA SOCIAL!

Coletivo Anarquista Bandeira Negra

Fevereiro de 2013