142 anos da Comuna de Paris: Louise Michel e o protagonismo feminino na luta pela liberdade

Posted on 18/03/2013 by

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A Comuna de Paris completa hoje 142 anos. Foi no dia 18 de março de 1871 que se iniciou a constituição da primeira experiência histórica de autogoverno operário e popular, a qual durou cerca de quarenta dias, resistindo ante as tropas francesas e alemãs que executaram mais de 20 mil rebeldes até o esmagamento da Comuna, que até então contava entre suas realizações:

  1. O trabalho noturno foi abolido;

  2. Oficinas que estavam fechadas foram reabertas para que cooperativas fossem instaladas;

  3. Residências vazias foram desapropriadas e ocupadas;

  4. Em cada residência oficial foi instalado um comitê para organizar a ocupação de moradias;

  5. Todas os descontos em salário foram abolidos;

  6. A jornada de trabalho foi reduzida, e chegou-se a propor a jornada de oito horas;

  7. Os sindicatos foram legalizados;

  8. Instituiu-se a igualdade entre os sexos;

  9. Projetou-se a autogestão das fábricas (mas não foi possível implantá-la);

  10. O monopólio da lei pelos advogados, o juramento judicial e os honorários foram abolidos;

  11. Testamentos, adoções e a contratação de advogados se tornaram gratuitos;

  12. O casamento se tornou gratuito e simplificado;

  13. A pena de morte foi abolida;

  14. O cargo de juiz se tornou eletivo;

  15. O calendário revolucionário foi novamente adotado;

  16. O Estado e a Igreja foram separados; a Igreja deixou de ser subvencionada pelo Estado e os espólios sem herdeiros passaram a ser confiscados pelo Estado;

  17. A educação se tornou gratuita, secular, e compulsória. Escolas noturnas foram criadas e todas as escolas passaram a ser de sexo misto;

  18. Imagens santas foram derretidas e sociedades de discussão foram adotadas nas Igrejas;

  19. A Igreja de Brea, erguida em memória de um dos homens envolvidos na repressão da Revolução de 1848, foi demolida. O confessionário de Luís XVI e a coluna Vendôme também;

  20. A Bandeira Vermelha foi adotada como símbolo da Unidade Federal da Humanidade;

  21. O internacionalismo foi posto em prática: o fato de ser estrangeiro se tornou irrelevante. Os integrantes da Comuna incluíam belgas, italianos, poloneses, húngaros;

  22. Instituiu-se um escritório central de imprensa;

  23. Emitiu-se um apelo à Associação Internacional dos Trabalhadores;

  24. O serviço militar obrigatório e o exército regular foram abolidos;

  25. Todas as finanças foram reorganizadas, incluindo os correios, a assistência pública e os telégrafos;

  26. Havia um plano para a rotação de trabalhadores;

  27. Considerou-se instituir uma Escola Nacional de Serviço Público, da qual a atual ENA francesa é uma cópia;

  28. Os artistas passaram a autogestionar os teatros e editoras;

  29. O salário dos professores foi duplicado.

Das barricadas levantadas no dia 18 de março de 1871, a Comuna de Paris provou para todo o movimento operário que o processo de ruptura revolucionária pela luta de classes pôde posicionar um universo de valores e ideologias do socialismo concretamente. As classes oprimidas e exploradas não chegaram ao poder do Estado constituindo-o, pelo contrário, o destruíram, através do projeto da construção federalista de poder, o “poder popular”. Não partindo da continuidade das reformas políticas francesas como muitos afirmam, mas do acúmulo prático e teórico que as classes trabalhadoras souberam aproveitar, implementando as longas experiências das greves operárias e da recente Associação Internacional dos Trabalhadores. Pela defesa intransigente da concepção da autogestão social, a vitória alcançada a muito custo foi justamente o avanço histórico de demonstrar que a tutela do Estado pode desmoronar quando as classes oprimidas organizam-se de baixo para cima, destruindo os grilhões que impediam sua emancipação.

A derrota da Comuna não está firmada sob o critério da impossibilidade do povo se auto-organizar. A repressão e o fortalecimento das nações capitalistas se articulam e se readequam gradativamente conforme existe o risco de superação da própria ordem capitalista. A Comuna de Paris representa a afirmação de levar adiante a primazia do internacionalismo e das realizações históricas da classe trabalhadora. Dentre estas realizações, é fundamental destacar a importância da luta das mulheres. Como no 08 de março a mídia sempre acaba simbolizando esta data de forma comemorativa, superficialmente, o resgate da história das lutas pela emancipação feminina está mais do que contido no episódio revolucionário da Comuna de Paris. Em homenagem às combatentes anônimas e conhecidas, relembramos artigo que a Federação Anarquista Gaúcha trouxe a público, que denota o protagonismo do passado estendendo-se até o presente. Barricade18March1871

De Mary Wollstonecraft a Louise Michel, e de Lucy Parsons a Elena Quinteros, este reconhecimento cumpre a tentativa de romper com as visões e práticas, ainda em vigência, do patriarcado nas relações no campo da esquerda. A questão de gênero tem avançado em visibilidade social, mas ainda sabemos que falta elementos materiais concretos de mudança. Este texto fala destas verdadeiras lutadoras do povo, como Louise Michel, filha de servente, professora, criadora do grupo “O direito da mulher”, formado por socialistas e feministas, e das milícias, onde comandou batalhões de mulheres à frente das barricadas na Comuna. Guerreira e libertária, defendeu a independência da colônia francesa da Nova Caledônia quando esteve lá deportada. Em “Memórias da Comuna”, de 1898, Louise Michel defendia o feminismo libertário e classista, vindo a conhecer na década de 1890, Malatesta, Emma Goldmam, Kropotkin e Pietro Gori. Em 1905, ano das primeiras experiências federalistas na Rússia, é enterrada envolta pelo estandarte da Comuna de Paris.

Em 1902, Louise Michel escreveu:

Aqui o inverno não tem onde amarrar-se,
Aqui as fragas sempre são verdes (…)

Aqui, em cadeias expira:
O presídio é pior que a morte.
Nos nossos corações sobrevive a esperança,
E se vemos a França novamente,
será para seguir combatendo! (…)

No ar paira a Liberdade!
A batalha nos chama
O clamor do deserdado!…
… A alvorada caçou a sombra espessa,
E o mundo novo se ergue

***

COM A PALAVRA E O EXEMPLO: LOUISE MICHEL

Por Federação Anarquista Gaúcha

louise-michel

Não se pode matar a ideia a tiros de canhão nem amarrá-la

Quando a Comuna foi derrotada, as tropas de Versailles massacraram gente durante 8 dias seguidos. Dizem que o batalhão feminino de Louise Michel “peleou como demônio”. Os soldados assassinaram a maioria delas a sangue frio quando já estavam desarmadas. Em geral, foram assassinados mais de 20 mil comuneiros, outros 43 mil foram presos e 5 mil deportados. Louise Michel escapou, mas se entregou porque a chantagearam com a detenção de sua mãe. Compareceu ante o Quarto Conselho de Guerra e disse: “Já que ao que parece todo coração que late pela liberdade só tem direito a receber uma pequena porção de chumbo, solicito a parte que me toca. Se me deixarem viva, não deixarei de clamar pela vingança e denunciarei os assassinos…

Declarações de Louise Michel em seu juízo

Ah, certamente, senhor advogado geral, a você resulta estranho que uma mulher ouse defender a bandeira negra. Porque temos resguardado a manifestação sob a bandeira negra? Porque esta bandeira é a das greves e indica que o operário não tem pão.

O povo morre de fome, pois bem, eu tenho tomado a bandeira negra para dizer que o povo não tinha trabalho e comida. Este é meu crime, o julguem como queiram.

Se existem tantos anarquistas, é porque muita gente está enojada da triste comédia, que faz tanto tempo, nos mostram os governos.

Resumindo, o povo não tem nem pão nem trabalho, e não temos em perspectiva mais que a guerra. E nós queremos a paz da humanidade e a união dos povos. Estes são os crimes que temos cometido. Cada um busca seu caminho, nós buscamos o nosso e pensamos que o dia em que reinar a liberdade e a igualdade, o gênero humano será feliz.”

Sobre o direito das mulheres

“Eu admito que o homem também sofre nesta sociedade maldita, mas nenhuma tristeza pode ser comparada com a da mulher. Na rua ela é a mercadoria. Nos conventos, onde se oculta como em uma tumba, a ignorância a ata, e as regras ascendem em sua máquina como engrenagens e pulverizam seu coração e seu cérebro. No mundo se dobra sobre a mortificação. Em sua casa, suas tarefas a esmagam. E os homens querem mantê-la assim. Eles não querem que ela usurpe sua função ou seus títulos.

Nas reuniões do grupo dos Direitos das Mulheres, e em outras reuniões, os homens mais avançados aplaudiram a ideia da igualdade. Noteieu tinha visto antes, e vi mais tardeque os homens, suas declarações não obstante, ainda que parecessem nos ajudar, sempre se conformavam com as aparênciasme convenci que nós as mulheres simplesmente devemos tomar nosso lugar sem pedir permissão por isso.

Saúdo a todas aquelas valentes mulheres da vanguarda que foram de grupo em grupo; o Comitê de Vigilância, a sociedade das Vítimas da Guerra, e mais tarde a Liga de Mulheres. O velho mundo deveria temer o dia em que aquelas mulheres finalmente decidam que tiveram o bastante. Aquelas mulheres não fraquejarão. A força se refugia nelas. Tomem cuidado com elasTomem cuidado com as mulheres quando se cansem de tudo o que as rodeia e se levantem contra o velho mundo. Nesse dia um novo mundo começará.

Sobre o poder

Talvez seria melhor para o povo se todos nós que dirigimos a luta agora caiamos em batalha, para que depois da vitória não fiquem mais Estados maiores gerais. Assim o povo poderia compreender que quando todo mundo junto comparte o poder, então o poder é justo e esplêndido

Quem informará os crimes que o poder comete, e a forma monstruosa em que o poder transforma os homens?”


Informações e fragmentos tomados do artigo de Victoria Aldunate Morales publicado em Kaos em la Red.

Tradução: EC – Federação Anarquista Gaúcha


Um poema de amor e despedida

Les Œillets Rouges (Os Cravos Rubros)

Quando ao negro cemitério eu for,
Irmão,
coloque sobre sua irmã,
Como
uma última esperança,
Alguns
cravosrubros em flor.

Do Império nos últimos dias
Quando as pessoas acordavam,
Seus sorrisos eram rubros cravos
Nos dizendo que tudo renasceria.

Hoje, florescerão nas sombras
de negras e tristes prisões.
Vão e desabrochem junto ao preso sombrio
E lhe diga o quanto sinceramente o amamos.

Digam que, pelo tempo que é rápido,
Tudo pertence ao que está por vir
Que o dominador vil e pálido
Também pode morrer como o dominado.

Louise Michel

Retirado de: http://vermelhoenegro.org/blog/2010/03/06/com-a-palavra-e-o-exemplo-louise-michel/

Posted in: Anarquismo, Lutas