CAB | 22 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás

Posted on 19/04/2018 by

0


Por volta das cinco da tarde da quarta-feira, 17 de Abril (de 1996), 155 policiais militares abriram fogo contra 2500 trabalhadores sem-terra que haviam bloqueado uma estrada nos arredores de Eldorado dos Carajás, no sudeste do Pará. Quando cessou a metralha, haviam 19 mortos e 69 feridos na curva do “S”, na BR-155, onde ocorreu o massacre. Lá, 19 castanheiras foram plantadas em homenagem às vítimas da chacina. A castanheira é uma árvore que morre de pé; sua silhueta negra e carbonizada rompe a paisagem para recordar como foi e o que foi. Testemunhas que resistem caladas, diante do silêncio do horizonte.

O grupo bloqueou a rodovia PA-150, principal ligação de Belém com o sul do Pará. Dentre os pontos, a desapropriação do complexo conhecido como Macaxeira. Um mosaico de fazendas que totalizavam 42 mil hectares situados no Município de Eldorado dos Carajás. No trajeto, na altura da Curva do “S”, na PA-150, com fome e sede, decidiram bloquear a rodovia para reivindicar do INCRA mantimentos e água para continuar sua jornada. Tal ato parou a circulação de mercadorias e pessoas que vinham tanto de Marabá quanto de Parauapebas no Pará. Isso deixou os fazendeiros e a Cia Vale do Rio Doce (CVRD) furiosos, na medida em que não podiam deslocar suas mercadorias e nem muito menos os carros de valores oriundos da sede da CVRD em Carajás.

Horas depois, o coronel do Batalhão da Polícia Militar de Marabá, Mário Colares Pantoja, ordenou que 85 PMs fossem ao local para desbloquear a rodovia. Outros 68 policiais saíram de Parauapebas, município vizinho, para se unir ao grupo. Empunhando foices e pedaços de madeira, os sem-terra passaram a tarde cantando hinos de protesto no meio da pista. Eles se dividiram em dois grupos, que ficavam a 300 metros de distância um do outro. O primeiro destacamento da PM a chegar foi o proveniente de Parauapebas. Os soldados de Marabá chegaram mais tarde.

No fim da tarde, os policiais de Marabá se aproximaram dos manifestantes. Portando escudos e cassetetes, cerca de 15 soldados colocaram-se à frente, organizando uma espécie de “proteção” para os que se posicionavam armados atrás. Os PMs começaram a jogar bombas de gás lacrimogêneo e a fazer disparos para o alto e, em seguida, na direção dos manifestantes. Depois dos primeiros tiros, o grupo dos soldados de Parauapebas também atacou. Os sem-terra se espalharam, tentando fugir. Muitos foram pisoteados e espancados. Os que não conseguiram se esconder na mata foram atingidos pelos tiros.

Há de reconhecer que o massacre nos abateu. Nos deixou cambaleantes, com as imagens dos telejornais, a banalização noticiada, sobre vidas importantes. Além de não termos como entender, ficamos ainda mais frágeis ao ouvir e ver o que se sucedeu. Saber tão cruamente de tudo, com a desfaçatez das ‘otoridades’. Lorotas, para não dizer mais. O então governador do Estado Almir Gabriel (PSDB) nunca pagou por esse crime, mas todos sabemos que ele e seu partido apertaram o gatilho, esse partido que há décadas massacra nosso povo, à frente do governo do Estado do Pará.

O Pará é um dos Estados com vastos hectares de terra ociosos. Neles cresce apenas mato. Mas basta o movimento ocupar que rapidamente a “justiça” decreta reintegração de posse a favor de um poderoso empresário, de um latifundiário.

A luta por reforma agrária é necessária. Lula não fez, nem com uma canetada, como prometeu em campanha, iludiu e brincou com a esperança de tantas famílias sem terra. E assim como a presidente Dilma Rousseff , preferiu se unir ao agronegócio. Obviamente, que não podemos esperar reforma agrária de um nenhum governo classicamente de direita, reacionário, inimigo do povo, como Temer. A reforma agrária se forja e se faz no seio da luta de classe!

Aquele Abril de 1996 passa a ser a memória brasileira quando, ao mesmo tempo, faz-se recusa e criação, desejo de fazer mais, pensando nas memórias de Carajás, que se tornam nosso Eldorado. Poder violento e violência do poder é o que se recusa através de Carajás. E o que se cria, pela força de suas memórias, falando que os corpos tombados, é com o levantar deles, o vivo trabalho criativo, que se quer espalhar, no Pará e nos cantos do Brasil, com a força de seus trabalhadores e trabalhadoras. São eles que, com suas vidas, alinhada com as memórias de Carajás, enchem de força o campo brasileiro, tão vivo e cheio de histórias, embora alguns não as mostrem ou mesmo não queiram conhece-las. Carajás torna-se a cada ano uma fortaleza maior no Brasil. Passa a ser nossa ação de memória, na concretude de histórias, tão vivas espalhadas pelo Brasil e, para além dele, dizendo sobre o país, sobre o que não queremos e o que continuaremos a buscar. Carajás, nossa palavra-memória, já incessante.

Tão incessante que este dia 17 de abril se tornou dia internacional da luta camponesa. Esse processo de luta sem fronteiras tem como objetivo mostrar ao mundo como e quanto seja difícil alcançar o reconhecimento e o respeito dos direitos humanos daqueles que vivem e trabalham nas áreas rurais. Face a expropriações e despejos, ausência de direito à terra, discriminações de gênero, ausência de serviços públicos nas áreas rurais e baixa renda, bem como falta de acesso aos meios de produção, as populações do meio rural têm que se organizar fora das instancias oficiais dos Estados. Só assim elas poderão conseguir, mediante a autonomia nas lutas, a autogestão de uma produção coletivizada da maneira mais adequada às realidades locais e às vontades dos produtores (muitas vezes uma grande maioria de mulheres, não reconhecidas como produtoras), longe dos padrões do agronegócio capitalista que destrói ambiente e vidas humanas, um reconhecimento dos direitos básicos de todas as populações do campo. Conseguir também qualidade de vida e renda digna para todos e todas, uma reforma agrária popular e durável, condição imprescindível de justiça e condição primeira para o campesinato continuar de existir e de alimentar as cidades.

Para acabar com as injustiças no campo, que seja da Europa, da África ou da América Latina, para alcançar a soberania alimentar dos povos ao redor do mundo, contrapondo-se à concentração cada vez maior de terras improdutivas ou apenas mono-produtivas, chamamos a pressionar neste dia 17 de abril os governos, organizando manifestações como vem feito nestes dias no Pará, em Belém pelo MST, organizando discussões públicas e debates, assim como outros tipos de ações solidárias. Essa luta não se fará nos gabinetes dos ministérios, mas bem no plano dos movimentos sociais e reforçando a união dos trabalhadores da terra a nível internacional. Nesta luta esses trabalhadores podem contar com o movimento anarquista, e no Brasil, com a CAB para apoiar sua organização, sua resistência e suas conquistas.

Em memória aos mártires que tombaram na luta pela terra na Amazônia!
Aos nossos mortos, nenhum minuto de silêncio, mas, sim, uma vida toda de luta!
Sigamos Carajás!
Viva a luta camponesa internacional!

Posted in: CAB