[Reflexões sobre o processo – 23/07/2013]
O caso de violência de gênero com o qual tivemos que lidar foi acompanhado de muitas discussões, internas e externas, e em aprendizados importantes para nossa militância. Não existem respostas prontas, mas compartilhamos algumas reflexões e avaliações.
1) O peso da cultura que cria relações de poder entre os gêneros não pode nunca ser subestimado, pois perpassa todas as relações sociais e, entre elas, os processos de organização e luta dos oprimidos. Por isso, nenhum dos homens está imune a exercer posturas machistas, assim como ninguém está imune de reproduzir opressões.
2) Isso exige organização das(os) oprimidas(os) para lutar contra o silenciamento, a dominação e a violência que as opressões produzem. Porém, exige também a identificação dos privilégios que essas opressões trazem aos homens, assim como também aos brancos, aos heterossexuais, etc. A reprodução desses privilégios acontece, em grande parte, de forma inconsciente, naturalizada, e por isso é necessário esse esforço de identificação e reflexão.
3) Também por isso, a questão das opressões deve ser parte constituinte de todas as lutas sociais que construímos, tarefa de todo e toda militante. É no seio dos movimentos populares que queremos forjar novas relações sociais de liberdade e igualdade, um processo que tem local inequívoco junto à nossa classe e suas lutas, além de acontecer em nossa vida cotidiana.
4) Consideramos que os comportamentos anti-sociais (como a violência e o machismo) não vêm determinados pela natureza, mas são construídos pela relação com a sociedade. No entanto, avaliamos que manter a possibilidade da volta do militante foi um erro, porque não temos estrutura pra lidar com o acompanhamento, avaliar efetivamente sua mudança de comportamento e garantir espaços políticos abertos e confortáveis a todas e todos, particularmente a vítima. Ainda assim, estivemos de forma inequívoca ao lado da vítima e sem menosprezar a gravidade do ocorrido.
Núcleo Florianópolis – Coletivo Anarquista Bandeira Negra
[Nota pública – 17/07/2013]
No início do mês de junho de 2013, recebemos a informação de que o militante Leandro Bó, da Frente Comunitária da nossa organização, havia agredido a companheira com quem morava e ainda mantém um relacionamento. Além disso, outros comportamentos violentos eram recorrentes, como humilhação e coerção psicológica, que nos foram relatados pela própria companheira, que atua junto a nossa militância nos movimentos sociais, além dos vínculos de amizade que temos.
Para nós, essa foi uma quebra de confiança completa e uma atitude em total desacordo com nossos princípios. Defendemos que a luta contra o machismo e o patriarcado são centrais, assim como todas as opressões, e que um caso de violência de gênero é inaceitável vindo de quem quer que seja. Vindo de alguém que se considera anarquista, é absurdo e incoerente.
Nós nos posicionamos, desde então, em completa solidariedade à companheira, que buscamos auxiliar nesse momento difícil. Ajudamos sua mudança da casa, oferecendo outro lugar para que morasse. Sugerimos que ela denunciasse a história e nos dispusemos a ajudar nessa tarefa, porque entendemos que o silêncio só favorece o agressor, assim como já nos posicionamos em outros casos de violência machista. No entanto, respeitamos seu pedido de sigilo e, por isso, a história não foi tornada pública naquele momento.
Quanto ao militante, ele foi imediatamente afastado da organização, tanto externa quanto internamente. Por ter reconhecido o grave erro cometido e alegado disposição para mudar seu comportamento, estipulamos uma série de exigências necessárias para reavaliarmos posteriormente a retomada (ou não) de sua atuação em nossos espaços: 1) nunca mais agredir ou ter posturas violentas em um relacionamento, 2) procurar ajuda psicológica para seu comportamento agressivo, 3) procurar também um grupo de reflexão para agressores, para discutir e refletir sobre suas posturas, 4) se manter afastado da militância, 5) ler e pesquisar sobre feminismo e violência de gênero, para produzir um material de síntese sobre o tema, 6) fazer repasses periódicos à nossa organização sobre o cumprimento dessas exigências, para avaliação coletiva.
Esses passos não foram cumpridos e o militante reincidiu na agressão. Por isso, julgamos que é necessário nos posicionarmos publicamente, o que fizemos discutindo novamente junto à companheira.
Entendemos que essas eram exigências mínimas para começarmos a lidar com seriedade com o problema da violência de gênero, que não é uma falha individual de uma ou outra pessoa, mas uma questão social, amplamente difundida e sustentada na cultura machista que vivemos. Buscamos dar uma resposta mais efetiva que uma mera expulsão, que apenas lavaria nossas mãos, isolando o ex-militante das discussões feministas e libertárias onde ele precisa estar inserido, agora mais do que nunca. Ao mesmo tempo, buscamos não expôr nenhum(a) companheiro(a) a atuar politicamente ao seu lado sem estar ciente da situação.
Soluções punitivas, mas que não tratam da origem dos problemas, são a prática que o Estado já oferece hoje. Para construir uma sociedade libertária e feminista, precisaremos construir métodos que sejam feministas e libertários para tratar dos problemas sociais, incluindo aí a violência de gênero. É uma tarefa muito árdua, na qual temos mais dúvidas do que respostas, mas que julgamos necessária.
Por isso, precisamos continuamente debater as questões de gênero e reavaliar nossas posturas políticas, incluindo aí todas as relações sociais. Pois dentro de um sistema onde a violência estrutural é uma característica central as relações sociais também estão marcadas pela opressão. Vemos cotidianamente as lutas feministas serem secundarizadas nos movimentos sociais e organizações de esquerda, inclusive nos meios libertários, e precisamos estar dispostos a enfrentar essa situação. Não queremos com essa nota nos isentar de quaisquer avaliações ou críticas, mas sim dar visibilidade a essa questão e fortalecer a discussão de gênero dentro dos espaços políticos que participamos.
Lançamos esta nota não apenas para tornar público uma violência de gênero, mas porque queremos construir juntos os mecanismos de uma justiça revolucionária libertária – pois a liberdade só se constrói com liberdade.
Assim como o socialismo será libertário ou não será socialismo, a revolução será feminista ou não será!
Núcleo Florianópolis – Coletivo Anarquista Bandeira Negra
Karine
23/07/2013
Pessoal, avaliem se conseguirão participar. Os coletivos Anastácia Livre, Violeta Parra, Casa Mafalda e independentes irão realizar o 2º Seminário “Há machismo na esquerda?”, pergunta colocada realmente para provocar, uma vez que muitos coletivos ignoram tal fato. O evento será dia 24/08/2013, das 14h às 18h, no centro de São Paulo.
Enviei o convite por e-mail a vocês…
Abç
Karine
Carol
23/07/2013
Que papel, hein?!
Nada do que foi dito na reunião de quinta adiantou pelo jeito. Publicaram essa porcaria do jeito que estava. Sai com a impressão que aquelas lágrimas eram verdadeiras, mas que não serviriam pra nada. Por que será?
As pessoas que se dizem libertárias/anarquistas e a violência contra as mulheres.
Nós feministas autônomas, libertárias e anarcafeministas, de Florianópolis, viemos por meio desta tornar público o nosso posicionamento perante machistas que se dizem “anarquistas e/ou libertários” e seus coletivos de origem.
Vamos por partes: Não existe ser anarquista e não ser antisexista e feminista. Não existe! Logo, se você é machista e se diz anarquista, você simplesmente está mentindo para se privilegiar mais uma vez, e entendeu tudo errado.
Se você acredita ser superior a mulheres, e controla, domina, pratica coerção, violência psicologia e/ou física, ou diversos outros tipos de violência contra sua companheira afetiva ou contra as companheiras de seu coletivo você simplesmente NÃO É anarquista e libertário. Se vcs não tinham entendido até agora a gente explica. Não existe anarquismo sem feminismo e ponto final.
Mas vocês podem vir dizer, meus queridos (sqn) machos da esquerda, que a aquele ato de agressão(leiam-se todas as formas de violência contra as mulheres) foi um momento de descontrole, que você estava em depressão, que está tomando remédios controlados, que “foi levado pelo momento da briga”, e diversas outras desculpas esfarrapadas que podem ou não culpabilizar a sobrevivente. Do tipo: “ela provocou”, “ela jogou coisas em mim e praticamente pediu para que eu batesse nela pra poder me desmoralizar depois”, “peguei ela fazendo isso e isso( preencha o isso como quiser)”.
Como dissemos a culpabilização da sobrevivente por parte do agressor pode ocorrer ou não, porque, afinal, nossos machos da esquerda tem que ser diferentes dos machos senso comum pelo menos em algum aspecto. Logo, estes machos que parecem militar nas mesmas trincheiras que nós leram sobre o feminismo, conhecem a fúria das anarcafeministas e já viram vários outros machos sendo cobrados por atitudes machistas. Daí eles pensam o seguinte: “Vou assumir minha culpa. Afirmar que tudo isso não vai se repetir. Vou fazer análise de consciência. Ler livros sobre feminismo. Vou me curar e voltar pros mesmos espaços que eu ocupava antes”. Essa volta vem com duas vantagem: esse macho vai ser admirado pelos outros machos do role, que vão defendê-lo com unhas e dentes no melhor estilo irmandade masculina: “pq o cara assumiu o que fez pô! Mó coragem!” dirão eles, acompanhadas da frase: “ele mudou pq queria mudar, viu o esforço que ele fez!?”. Pois bem, como sabemos nós mulheres de qualquer espaço, se tem uma coisa que funciona bem na militância é irmandade masculina.
De alguma forma depois de toda a violência que já se sofreu a culpada acabará sendo a sobrevivente porque depois de tanto tempo, “e do cara ter mudado”, ela não consegue e não quer ocupar o mesmo espaço de militância que seu agressor. Que no final das contas acabou sendo recebido novamente pelos coletivos onde militava já que passou pelo processo de purificação. Conclusão: se você é uma mulher, sobreviveu a uma situação de violência, se você não é culpada de cara, acaba sendo culpada no final.
Por anos o que temos visto nos coletivos libertários/anarquistas/ do rolê é um afastamento daquelas mulheres que sofreram violência de seus espaços prévios de militância e sociabilidade. Muitas vezes ainda são chamadas pelos machos de “fracas” ou “de não conseguirem separar as coisas”. Meus caros, se tem uma coisa que o anarquismo tem em comum com o feminismo de segunda onda é o mote “o pessoal é político”, mas certos caras só conseguem ver isso nas relações de classe, pq afinal o problema das mulheres se resolverá depois que o anarquismo for uma realidade, não é mesmo!?
Prezado macho, você militaria no mesmo espaço que um skin facistóide? Não? Essa pergunta é uma afronta ao seu anarquismo? Por que então uma sobrevivente teria que conviver no mesmo espaço que seu agressor?Achou a comparação forte? Certamente você não é mulher, e não sofreu violência vinda de pessoas que achou que estivessem do seu lado da trincheira.
Não, meus caros: um agressor machista, por mais que tenha 20 anos de militância, tenha fundado 57 coletivos, sido preso 200 vezes por ação direta, não está do mesmo lado da trincheira de quem pensa a emancipação, a solidariedade e a libertação dos seres humanos e/ou animais. Se você não consegue ver isso, eu te aconselho a rever sua posição política. Prepotente, né?Eu chamaria de outra coisa, mas: Sim, bayjos!
Agora nos deslocando da questão do agressor especificamente para a questão dos coletivos em que estes machos atuam. Temos uma série de coisas que já foram escritas sobre violência de gênero em coletivos anarquistas/libertários, imagino que você homem libertário já leu né?! Brincadeira, eu sei que não, afinal não te interessa não é mesmo!? Não foi você que sofreu a violência, e para você a responsabilidade de tomar uma atitude perante essas questões é somente das mulheres libertárias/anarquistas/feministas.
Sinto muito, não é!
Efetivamente, é bastante óbvio que mulheres feministas vão se posicionar quanto ao acontecido. É importante que outros coletivos envolvidos passem a prestar atenção na postura das feministas e aprendam algo com elas. De nossas discussões e práticas como feministas gostaríamos lembra-los de que isso não é sobre vocês, não é sobre o agressor, é acima de tudo sobre a sobrevivente. É ela que deve ser protegida, ouvida se quiser falar, e ser fortalecida das diversas formas possíveis.
Assim, se vcs fazem a sobrevivente repetir o relato duas, três, 10 vezes, para mostrar de fato o que ela sofreu, vocês estão fazendo a mesma coisa que o Estado e violentando essa mulher cada vez mais. É como se houvesse a esperança que a cada relato a força da denuncia diminua, ela acabe mudando de idéia, volte atrás e por fim acabe relevando a violência que sofreu a primeira vez para não ter que sofrer toda ela muitas e muitas vezes de novo. Outra coisa: não nos venham com “a sobrevivente não quer ser exposta, por isso não vamos publicizar a coisa e nem tomar uma atitude com o cara”. Sério, acreditamos na capacidade cognitiva de vcs para entenderem que a sobrevivente vive muitas vezes uma situação de medo, de violência e dependência psicológica do agressor, e é completamente óbvio que ela não queria se expor mais. Existem diversas mil formas de se escrachar, cobrar, tornar a violência política sem expor a sobrevivente. Pensem uma! Não conseguiram?! Peçam ajuda pra quem conhecerem. Passar pano não resolve e só piora a situação! Cria mais uma violência contra a sobrevivente que vendo a não importância dada ao tema, pode passar a achar que a culpa foi dela, e ela não é!
Obviamente não se posicionar politicamente quanto ao ocorrido, e não tratar a agressão como coisa séria, implica em mais uma violência sendo perpetrada contra a sobrevivente. O agressor deve ser sim expulso dos espaços de militância, deve ser barrada a sua entrada em espaços de construção libertária, e não vamos explicar novamente o porquê. No entanto, isso não basta, como não basta depois de o agressor postar meia dúzia de palavras bonitas “suuuuper feministas” em seu perfil no facebook, ler 986 mil textos sobre feminismo, acreditar que o cara mudou e ficar tudo por isso mesmo, no melhor estilo sessão da tarde, vamos esquecer o passado e ser felizes para sempre.
Queridos outros machos que estão nestes espaços: existe um agressor em cada um de vocês (“que absurdo, isso não é feminismo, isso é femismo, feminazi, você não é anarquista, sua separatista!!!” Podemos ouvir daqui seus mimimis! Continue lendo, por favor, eu leio um monte de coisa que os homens escrevem há anos, vcs podem fazer o mesmo, nem que seja pra responder!) isso é porque vivemos em um sistema que denominamos patriarcado. Por mais que essa categoria já tenha sido criticada pelas feministas acadêmicas, ela ainda é bastante útil pois nos ajuda a ver o machismo que existiu e que existe em todas as sociedades e em todos os tempos. Por mais que o patriarcado não atue da mesma forma em todos os lugares, ele é muito hábil em se adaptar em diferentes culturas e tempos, e passar despercebido muitas vezes dentro daquelas pessoas que se propõem a questionar o sistema.
Desta forma, caros “companheiros”, expulsar o agressor é o mínimo que vcs podem fazer, além disso, deveriam repensar seus próprios privilégios. Pensar pq a militância é um espaço masculino, e masculinizador, pq poucas mulheres falam e reuniões, pq a voz de um homem é sempre mais legítima, como este espaço de privilégio ocupado pelos homens atua de forma a deslegitimar mulheres e experiências femininas. Meus caros, é um trabalho árduo, e deixe-me dizer, não vai resolver tudo. Mas da forma como entendemos o anarquismo não adianta questionar a sociedade e não questionar a si mesmo. A revolução que queremos deve começar por nós e nossos espaços de atuação. Mais uma vez repetimos que não há anarquismo sem feminismo, a revolução terá que ser feminista ou não será. Não adianta criticar o capitalismo e reproduzir e se aproveitar do patriarcado.
Sabemos da dificuldade de enxergar um agressor e machista naqueles que estão próximos de nós, que por anos militaram ao nosso lado, mas é importante entender que aqueles que violam nossos corpos jamais serão nossos aliados. Serão sempre nossos inimigos.
Bom, vamos ficando por aqui, muita coisa já foi dita por outras mulheres. Estão disponíveis inúmeros relatos de agressões em meios anarquistas e libertários, que fique claro que isso não é uma coisa isolada, é um sistema de opressão e controle das mulheres. Mas nós estamos ligadas, estamos fortes, unidas, e lutaremos com todas as nossas armas. Por todas entendam TODAS.
Machistas não passarão. Mexeu com uma mexeu com todas!
Photo: Hey! Leiam! E se quiserem o botão desfazer amizade é serventia da casa! As pessoas que se dizem libertárias/anarquistas e a violência contra as mulheres. Nós feministas autônomas, libertárias e anarcafeministas, de Florianópolis, viemos por meio desta tornar público o nosso posicionamento perante machistas que se dizem “anarquistas e/ou libertários” e seus coletivos de origem. Vamos por partes: Não existe ser anarquista e não ser antisexista e feminista. Não existe! Logo, se você é machista e se diz anarquista, você simplesmente está mentindo para se privilegiar mais uma vez, e entendeu tudo errado. Se você acredita ser superior a mulheres, e controla, domina, pratica coerção, violência psicologia e/ou física, ou diversos outros tipos de violência contra sua companheira afetiva ou contra as companheiras de seu coletivo você simplesmente NÃO É anarquista e libertário. Se vcs não tinham entendido até agora a gente explica. Não existe anarquismo sem feminismo e ponto final. Mas vocês podem vir dizer, meus queridos (sqn) machos da esquerda, que a aquele ato de agressão(leiam-se todas as formas de violência contra as mulheres) foi um momento de descontrole, que você estava em depressão, que está tomando remédios controlados, que “foi levado pelo momento da briga”, e diversas outras desculpas esfarrapadas que podem ou não culpabilizar a sobrevivente. Do tipo: “ela provocou”, “ela jogou coisas em mim e praticamente pediu para que eu batesse nela pra poder me desmoralizar depois”, “peguei ela fazendo isso e isso( preencha o isso como quiser)”. Como dissemos a culpabilização da sobrevivente por parte do agressor pode ocorrer ou não, porque, afinal, nossos machos da esquerda tem que ser diferentes dos machos senso comum pelo menos em algum aspecto. Logo, estes machos que parecem militar nas mesmas trincheiras que nós leram sobre o feminismo, conhecem a fúria das anarcafeministas e já viram vários outros machos sendo cobrados por atitudes machistas. Daí eles pensam o seguinte: “Vou assumir minha culpa. Afirmar que tudo isso não vai se repetir. Vou fazer análise de consciência. Ler livros sobre feminismo. Vou me curar e voltar pros mesmos espaços que eu ocupava antes”. Essa volta vem com duas vantagem: esse macho vai ser admirado pelos outros machos do role, que vão defendê-lo com unhas e dentes no melhor estilo irmandade masculina: “pq o cara assumiu o que fez pô! Mó coragem!” dirão eles, acompanhadas da frase: “ele mudou pq queria mudar, viu o esforço que ele fez!?”. Pois bem, como sabemos nós mulheres de qualquer espaço, se tem uma coisa que funciona bem na militância é irmandade masculina. De alguma forma depois de toda a violência que já se sofreu a culpada acabará sendo a sobrevivente porque depois de tanto tempo, “e do cara ter mudado”, ela não consegue e não quer ocupar o mesmo espaço de militância que seu agressor. Que no final das contas acabou sendo recebido novamente pelos coletivos onde militava já que passou pelo processo de purificação. Conclusão: se você é uma mulher, sobreviveu a uma situação de violência, se você não é culpada de cara, acaba sendo culpada no final. Por anos o que temos visto nos coletivos libertários/anarquistas/ do rolê é um afastamento daquelas mulheres que sofreram violência de seus espaços prévios de militância e sociabilidade. Muitas vezes ainda são chamadas pelos machos de “fracas” ou “de não conseguirem separar as coisas”. Meus caros, se tem uma coisa que o anarquismo tem em comum com o feminismo de segunda onda é o mote “o pessoal é político”, mas certos caras só conseguem ver isso nas relações de classe, pq afinal o problema das mulheres se resolverá depois que o anarquismo for uma realidade, não é mesmo!? Prezado macho, você militaria no mesmo espaço que um skin facistóide? Não? Essa pergunta é uma afronta ao seu anarquismo? Por que então uma sobrevivente teria que conviver no mesmo espaço que seu agressor?Achou a comparação forte? Certamente você não é mulher, e não sofreu violência vinda de pessoas que achou que estivessem do seu lado da trincheira. Não, meus caros: um agressor machista, por mais que tenha 20 anos de militância, tenha fundado 57 coletivos, sido preso 200 vezes por ação direta, não está do mesmo lado da trincheira de quem pensa a emancipação, a solidariedade e a libertação dos seres humanos e/ou animais. Se você não consegue ver isso, eu te aconselho a rever sua posição política. Prepotente, né?Eu chamaria de outra coisa, mas: Sim, bayjos! Agora nos deslocando da questão do agressor especificamente para a questão dos coletivos em que estes machos atuam. Temos uma série de coisas que já foram escritas sobre violência de gênero em coletivos anarquistas/libertários, imagino que você homem libertário já leu né?! Brincadeira, eu sei que não, afinal não te interessa não é mesmo!? Não foi você que sofreu a violência, e para você a responsabilidade de tomar uma atitude perante essas questões é somente das mulheres libertárias/anarquistas/feministas. Sinto muito, não é! Efetivamente, é bastante óbvio que mulheres feministas vão se posicionar quanto ao acontecido. É importante que outros coletivos envolvidos passem a prestar atenção na postura das feministas e aprendam algo com elas. De nossas discussões e práticas como feministas gostaríamos lembra-los de que isso não é sobre vocês, não é sobre o agressor, é acima de tudo sobre a sobrevivente. É ela que deve ser protegida, ouvida se quiser falar, e ser fortalecida das diversas formas possíveis. Assim, se vcs fazem a sobrevivente repetir o relato duas, três, 10 vezes, para mostrar de fato o que ela sofreu, vocês estão fazendo a mesma coisa que o Estado e violentando essa mulher cada vez mais. É como se houvesse a esperança que a cada relato a força da denuncia diminua, ela acabe mudando de idéia, volte atrás e por fim acabe relevando a violência que sofreu a primeira vez para não ter que sofrer toda ela muitas e muitas vezes de novo. Outra coisa: não nos venham com “a sobrevivente não quer ser exposta, por isso não vamos publicizar a coisa e nem tomar uma atitude com o cara”. Sério, acreditamos na capacidade cognitiva de vcs para entenderem que a sobrevivente vive muitas vezes uma situação de medo, de violência e dependência psicológica do agressor, e é completamente óbvio que ela não queria se expor mais. Existem diversas mil formas de se escrachar, cobrar, tornar a violência política sem expor a sobrevivente. Pensem uma! Não conseguiram?! Peçam ajuda pra quem conhecerem. Passar pano não resolve e só piora a situação! Cria mais uma violência contra a sobrevivente que vendo a não importância dada ao tema, pode passar a achar que a culpa foi dela, e ela não é! Obviamente não se posicionar politicamente quanto ao ocorrido, e não tratar a agressão como coisa séria, implica em mais uma violência sendo perpetrada contra a sobrevivente. O agressor deve ser sim expulso dos espaços de militância, deve ser barrada a sua entrada em espaços de construção libertária, e não vamos explicar novamente o porquê. No entanto, isso não basta, como não basta depois de o agressor postar meia dúzia de palavras bonitas “suuuuper feministas” em seu perfil no facebook, ler 986 mil textos sobre feminismo, acreditar que o cara mudou e ficar tudo por isso mesmo, no melhor estilo sessão da tarde, vamos esquecer o passado e ser felizes para sempre. Queridos outros machos que estão nestes espaços: existe um agressor em cada um de vocês (“que absurdo, isso não é feminismo, isso é femismo, feminazi, você não é anarquista, sua separatista!!!” Podemos ouvir daqui seus mimimis! Continue lendo, por favor, eu leio um monte de coisa que os homens escrevem há anos, vcs podem fazer o mesmo, nem que seja pra responder!) isso é porque vivemos em um sistema que denominamos patriarcado. Por mais que essa categoria já tenha sido criticada pelas feministas acadêmicas, ela ainda é bastante útil pois nos ajuda a ver o machismo que existiu e que existe em todas as sociedades e em todos os tempos. Por mais que o patriarcado não atue da mesma forma em todos os lugares, ele é muito hábil em se adaptar em diferentes culturas e tempos, e passar despercebido muitas vezes dentro daquelas pessoas que se propõem a questionar o sistema. Desta forma, caros “companheiros”, expulsar o agressor é o mínimo que vcs podem fazer, além disso, deveriam repensar seus próprios privilégios. Pensar pq a militância é um espaço masculino, e masculinizador, pq poucas mulheres falam e reuniões, pq a voz de um homem é sempre mais legítima, como este espaço de privilégio ocupado pelos homens atua de forma a deslegitimar mulheres e experiências femininas. Meus caros, é um trabalho árduo, e deixe-me dizer, não vai resolver tudo. Mas da forma como entendemos o anarquismo não adianta questionar a sociedade e não questionar a si mesmo. A revolução que queremos deve começar por nós e nossos espaços de atuação. Mais uma vez repetimos que não há anarquismo sem feminismo, a revolução terá que ser feminista ou não será. Não adianta criticar o capitalismo e reproduzir e se aproveitar do patriarcado. Sabemos da dificuldade de enxergar um agressor e machista naqueles que estão próximos de nós, que por anos militaram ao nosso lado, mas é importante entender que aqueles que violam nossos corpos jamais serão nossos aliados. Serão sempre nossos inimigos. Bom, vamos ficando por aqui, muita coisa já foi dita por outras mulheres. Estão disponíveis inúmeros relatos de agressões em meios anarquistas e libertários, que fique claro que isso não é uma coisa isolada, é um sistema de opressão e controle das mulheres. Mas nós estamos ligadas, estamos fortes, unidas, e lutaremos com todas as nossas armas. Por todas entendam TODAS. Machistas não passarão. Mexeu com uma mexeu com todas!
Beyjas
cintia
24/07/2013
Olá, sou de SP e gostaria de compartilhar a minha experiência. Já passei por esse tipo de violência, o que é inadmissível por se tratar de um movimento libertário, no meu caso, houve ameaças, resolvi me desligar do movimento, foram mais de 4 anos vivendo juntos em comunidade, talvez tivesse que denunciar a atitude machista, mas no ato da violência física e moral, várias pessoas do coletivo estavam presentes e fingirão não ver nada, por medo ou por impotência.
Infelizmente, me senti usada pelo movimento e descartada por um troglodita, visto que os princípios da organização não querem dizer nada na prática… Ainda pior que isso, eu não tive nenhum apoio e algumas das “anarcafeministas” minhas amigas de coletivo e banda me julgarão, como sendo causadora de desordem… Ficaram do lado do agressor, hoje ele o agressor, está preso por tentativa de homicídio de outra mulher, e a culpa é da organização que fechou os olhos para tudo o que ele fazia…. não vou citar qual o nome da organização e nem da banda, mas fica aí meu relato de experiência, penso que temos que fortalecer as discussões a cerca desse tema de violência de gênero, e nós mulheres temos que estar organizadas para a nossa autodefesa.
Justina Sponchiado
24/07/2013
Enfim o tema está sendo enfrentado também na militância de esquerda (o termo esquerda parece já não dizer muito, mas creio que saibamos em linhas gerais do que falamos…). Infelizmente não me animo à militância mais aguerrida, a não se aquela que se faz em sala de aula, na pesquisa e escrita e nas relações em geral (engajamento é o que denomino, e tá de bom tamanho pra mim); mas sinto-me em boa parte contemplada ao ler aqui que pelo menos já há espaços nos quais atitudes efetivas são tomadas. Avante, libertárias/os!
Uriel
24/07/2013
O mivomento está de parabéns por sua atitude!!é incompreensível que uma pessoa com uma atitude dessas possa fazer parte de um movimento que luta contra todas as formas de opressão!!!
aqui no buriticupu-ma estamos fundando um núcleo de estudos e ações anarquista e pensamos numa forma de prestar nossa homenagem as mulheres, dando o nome do nosso coletivo de ANA-Ações do Núcleo Anarquista. Queriamos e muito a vossa contribuição com material em PDF para estudo, troca de ideias e ajuda na construção desse processo aqui em nossa cidade a vossa colaboração seria de extrema ajuda!!! desde já agradece o ANA Ações do Núcleo Anarquista
Email para contato:
u-79@live.com
kalu
31/07/2013
Ultimamente parece q 2005 tá voltando a tona. Passei por uma situação semelhante de violência contra o gênero em Fortaleza, por um agressor q já agredia sua ex-companheira na cidade de Natal e, no entanto, todxs silenciavam em relação a estas agressões, é tanto q me envolvi com este cara, sem saber nada do q ele fazia a sua ex. E esta ainda ficou do seu lado, qdo resolvi denunciar suas atitudes.
Passei pela situação mais desconfortável, humilhante e absurda da minha vida, qdo resolvi denunciar suas agressões ao meio libertário. Ter q repetir inúmeras vezes o q aconteceu, falar de minha intimidade com ele, para ver até onde é aceitável o estupro é incompreensível, é de dar muita raiva, é de dar asco num movimento anarquista.
Depois de uma assembléia em Natal, o cara ainda ficou bebendo super confortavelmente no mesmo bar q a gente estava, e ainda sendo aceito por alguns grupos q estavam acompanhando a assembléia, em suas mesas.
Eu me senti quase que culpada por tudo, pelas agressões, o estupro… pensei q devia ter ficado calada pra não me decepcionar com tanta gente! pessoas q pensava construir mesmos sonhos, se colocavam ao lado do agressor, outras que partilhavam desta tal irmandade masculina, pq o cara era amigo de anos e estava no movimento há mais tempo q eu, etc e tal.
Até hj não suporto olhar pra muita gente do movimento em Fortaleza, em Natal, em Salvador e em João Pessoa… Quem se afastou foi eu de uma maioria, e no entanto, eles estão sempre firmes e fortes, secundarizando o feminismo.
Qto ao agressor ele foi expulso, mas depois de muito berro e ainda assim, com sua expulsão, parece q eu tbm. Não fui expulsa, mas me senti por inúmeras vezes em um ambiente onde as pessooas desconfiavam o tempo todo de mim.
Na época eu viajava com o ciclovida de bicicleta, em Brasília trouxemos a discussão para alguns coletivos e lá senti mais confiança de alguns grupos, mas ainda lá, na mesma época, outra companheira foi violentada por um cara q era tido como um de seus amigos q mais confiava.
Estas questões devem ser debatidas cada vez mais, com mais firmeza e radicalidade, pq sem o feminismo, realmente não há anrquismo nenhum!