JLLE | Fazer resistência, construir memórias rebeldes: um relato das atividades em torno do centenário da greve geral de 1917

Posted on 11/09/2017 by

3


O ano de 2017 marcou o centenário de dois eventos fundamentais para construção da resistência popular internacional, a Revolução Russa e a greve geral em várias cidades brasileiras. Os dois episódios contaram com expressiva participação da militância anarquista, possibilitando retomar diferentes aspectos das memórias e histórias necessárias para o entendimento sobre a nossa trajetória. Em debates internos, a militância do Coletivo Anarquista Bandeira Negra (CABN) encaminhou dedicar atenção ao centenário da greve geral de 1917. Os critérios foram os seguintes:

  • A importância do sindicalismo revolucionário no processo de inserção do anarquismo na história da formação social brasileira.

  • A expressiva repercussão do movimento paredista nas cidades fora do sudeste, como em Joinville, local que atuamos.

  • A necessidade de pensarmos sobre a possibilidade de um sindicalismo dedicado aos interessados das classes oprimidas, independente e autônomo frente aos governos e patrões.

Tomando como ponto de partida as razões apresentadas, as atividades organizadas objetivaram identificar as práticas de resistências e organização contra as classes dominantes no processo de formação da classe operária urbana brasileira, com recorte na cidade de Joinville. O meio encontrado para fazemos a pesquisa foi o levantamento bibliográfico na produção histórica local, em diálogo com as novas interpretações da história global do anarquismo e do sindicalismo. O meio de divulgação do material levantado e as atividades comemorativas e reflexivas sobre o evento ocorreram com a terceira edição do Sarau 1º de maio, a exposição “As condições de vida da classe trabalhadora na década de 1910: 10 anos da greve geral de 1917”, o Círculo de Estudos Libertários e uma etapa do Cinema, Café e Bate Papo. Todas atividades modestas, realizadas com muita dedicação, trabalho coletivo e resistência de esperanças.

Exposição do centenário da greve geral

Em tempos de reformas da previdência, trabalhistas e do ensino médio como obras dos governantes e dos patrões, torna-se urgente promover um encontro das nossas memórias silenciadas e escamoteadas pela classe dominante brasileira e internacional.

Costurar as nossas memórias dispersas em jornais, panfletos, fotografias e livros, muitos destas empoeiradas em arquivos, não é um ato de culto ao passado. O que você, companheira e companheiro, está prestes a interpretar, é uma ação política tomar de assaltos os arquivos das lutas operárias de homens e mulheres de todas as idades, em diferentes cidades brasileiras, no começo do século XX, contra as longas jornadas de trabalho, os péssimos salários, assédio moral e sexual, condições torturantes de trabalho.

No começo do século XX, a classe trabalhadora sofria com a exploração capitalista nacional e internacional, enquanto os governantes utilizavam de todos os meios policiais e judiciário para fazer do protesto um crime. No contexto em questão, trabalhadoras e trabalhadores organizaram as suas rebeldias em sindicatos sem a tutela do Estado, criaram ações pedagógicas libertárias por meio de jornais, teatros, escolas e piqueniques. A exposição trouxe um olhar sobre a greve geral em Joinville, ao mesmo tempo identificou a presença das trabalhadoras mulheres e os trabalhadores negros, temas pouco pesquisados quando o assunto é movimento operário no Brasil.

Na atividade do Sarau, foi onde a exposição recebeu o maior número de visitantes, aproximadamente 300 companheiras e companheiros. No Círculo de Estudos Libertários, realizado em 12 de julho, na sede do Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Bráz, contou com 28 visitantes, mas como a exposição ficou por mais três semanas é possível contar aproximadamente 60 pessoas. Outro ponto a considerar é o uso da exposição pela organização-irmã Federação Anarquista Gaúcha (FAG), que adaptou o trabalho para as questões pertinentes da greve geral em Porto Alegre, onde foi exposta no ato público em memória ao centenário da greve geral de 1917, realizado em 28 de julho, no Teatro da Cia de Artes. Por último, agradecemos a Biblioteca Carlo Aldegheri, de Santos/SP, que cedeu fontes textuais e visuais para montagem da exposição.

III – Sarau 1º de maio

O terceiro Sarau do Primeiro de Maio foi realizado para reavivar a memória da luta da greve geral, que completa 100 anos neste 2017. Numa segunda-feira de festa, respeito, resistência e lembranças a comunidade do bairro Itinga e da aldeia guarani Piraí se juntaram na Associação de Moradores e Amigos do Bairro Itinga (Amorabi), outro espaço de lutas. Foram apresentadas músicas, coral indígena, leitura dramática, textos sobre a greve de 1917 e a galeria José Martinez, em lembrança e respeito ao jovem morto na greve. Além de uma partilha de alimentos. 

A importância deste sarau se dá pela união dos trabalhadores que negam as festas corporativas para se juntar aos seus companheiros e companheiras em uma comemoração autônoma. Juntos lembramos daqueles que se foram em luta na década de 10 para que tivéssemos nossos direitos garantidos hoje. As pessoas que passaram pela Amorabi no 1º de maio puderam relembrar das conquistas feitas com a greve, do sangue derramado pelos que se foram em luta e podendo repensar a importância da nossa resistência contra os ataques aos nossos direitos que viemos sofrendo nos últimos anos.

CEL – 100 anos da greve geral em Joinville

O Círculo de Estudos Libertários (CEL) é uma continuidade do trabalho que deu origem ao surgimento do anarquismo organizado na última década em Joinville. Entre os anos de 2007 e 2011, as nossas atividades de estudos anarquistas eram chamadas de Grupo de Estudos das Ideias e Práticas Anarquistas (GEIPA). Depois da adesão dos nossos esforços organizativos junto a companheirada de Florianópolis, passamos a atuar como um núcleo do Coletivo Anarquista Bandeira Negra (CABN). Neste caminho adotamos, com o objetivo de afinar as ações, o nome de CEL para o nosso grupo de estudos. O espaço de estudos é público e tem como objetivo pensar publicamente sobre a teoria, a prática, a história e a conjuntura. Também montamos a banca com os livros da Livraria 36 em diferentes espaços, este que é um meio de agitação e propaganda, assim como levantar recursos financeiros para bancar as nossas ações cotidianas.

Em 12 de julho, foi marcada uma etapa para um companheiro do CABN apresentar a repercussão da greve geral de 1917 em Joinville. O evento contou com a participação de 28 participantes, a sua maioria de trabalhadoras e trabalhadores da educação no ensino público e privado e de estudantes, incluindo presença de compas de Florianópolis e Lages.

A exposição oral apresentou a contextualização do surgimento da ideologia anarquista junto ao movimento operário na segunda metade do século XIX, enquanto no Brasil as mobilizações operárias com forte presença anarquista, ocorreram nas primeiras décadas do século XX. O sindicalismo revolucionário entendido como uma porta de entrada para os anarquistas no contexto das lutas de classes urbanas. A formação da Confederação Operária Brasileira (COB) e os seus três congressos (1906, 1913 e 1920) formam marcas profundas que ecoaram em vários cantos do país, sempre pautado na greve geral, na ação direta, federalismo, descentralização, internacionalismo e independente de uma linha ideológica.

A década de 1910 foi marcada por intensos conflitos sociais, inúmeras revoltas nas cidades e nos campos. É neste momento que temos a construção da classe operária urbana brasileira. Os grandes exploradores da agricultura utilizaram deste capital acumulado para investir no campo fabril. Onde a força de trabalho de brasileiros, imigrantes, população negra, mulheres e crianças realizavam jornadas de 10 a 12 horas diárias em fábricas, oficinas, comércios e construção civil. Sempre com mulheres e crianças recebendo salários menores.

O surgimento da classe operária se deu no processo de exploração capitalista em aliança com os governos que endureçam a repressão, ocorrendo o “nível de conscientização, seu grau de mobilização e capacidade organizativa” (BODEA, 1978), o que entendemos como elementos das condições subjetivas.

Enquanto as condições objetivas, o contexto de eclosão da Primeira Guerra Mundial (1915-1919), Bodea sustenta que o Brasil passou a ser um fornecedor de gêneros alimentícios para as nações da “Entente”, inclusive de produtos de primeira necessidade, fato que deslocou produtos do consumo interno para o mercado externo. Medida governamental para atender as elites econômicas, o que aumentou os preços dos alimentos para população brasileira. O governo federal, em 1915, realizou a mudança da sua política inflacionária e de sustentação do café, gerando uma crise na economia nacional. O governo passou a exigir uma contribuição do povo trabalhador, as contribuições pró-pátria, aumentando o custo de vida e levando a queda dos salários reais.

Joinville inserida neste contexto internacional, tem na década de 1910 o registro de intensos movimentos paredistas, como eram chamados as greves naquele período. É o que a professora Iara Andrade Costa chamou de construção da resistência urbana. Entre os anos de 1917 e 1943, foi possível identificar agitações e resistências populares. Em Julho de 1917, a greve contou com adesão de ferroviários, mecânicos, pedreiros, carpinteiros, cervejeiros, operários de fábrica de fósforos, costureiras e padeiros. A principal reivindicação era o aumento salarial. Os jornais da época trouxeram notas de que o movimento era coisa de “pretos traidores”. A luta durou por volta de 4 dias, o tempo necessário para conquistar o reajuste salarial em 20%, criação de uma cooperativa de alimentos e projeto de habitação popular.

Em 1920, foi organizada uma greve de padeiros com objetivo de folgar aos domingos. A conquista ocorreu. Neste mesmo ano, o movimento operário realizou um atividade de grande importância para o contexto de intensas resistências operárias; “…uma sessão preliminar do COB, achando-se entre os participantes numerosos representantes de associações operárias locais, demonstrando que estes estavam engajados nos movimentos nacionais.” (COSTA, 1995, p. 134). Atividade representativa para identificar o quanto as lutas locais estavam em diálogo constantes com outras cidades, assim como em adesão aos debates nacionais sobre a organização e os métodos do sindicalismo revolucionário defendidos pela COB.

Em 1924, uma greve de trabalhadores de carga e desembarque de madeira e erva-mate. No Moinho Boa Vista, em 1927, ocorreram fortes mobilizações operárias com a reivindicação de jornadas de trabalho de 8 horas, inclusive estabelecendo a organização de trabalhadores de Joinville e São Francisco do Sul. O movimento sofreu uma expressiva repressão policial, assim como os convencionais ataques na mídia local.

Seis anos depois, em 1933, foi a vez dos trabalhadores da construção civil reivindicarem a jornada de trabalho de 8 horas por dia. Nessa greve, o Jornal de Joinville, em janeiro de 1933, afirmou que; “Pode-se dizer que os grevistas estão divididos em duas facções: uma apoiando a greve geral, ou seja a dos operários de construções civis e industriais conexas; a outra quer greve exclusivamente da classe.” Nos cabe ressaltar um ponto para a futura reflexão, o debate sobre o uso da greve geral é uma tática sustentada na resolução de fundação da COB, já citada em parágrafos acima, como o importante papel da solidariedade de classe. Ou seja, é uma visível repercussão dos encaminhamentos e resoluções do movimento operário fortemente marcado pelo sindicalismo revolucionário com presença da militância anarquista.

O fechamento da exposição trouxe as razões para o anarquismo perder o seu vetor social, que segundo as nossas referências, como nos escritos da Federação Anarquista do Estado do Rio de Janeiro (FARJ), se deveu aos fatores conjunturais, entre eles a repressão. Como a Lei Adolfo Gordo, que em 1921 buscou expulsar companheiros e companheiras estrangeiros identificados com o anarquismo à Colônia Penal de Clevelândia no Amapá; o refluxo das lutas sociais em todo o mundo; o crescimento do PCB e o atrelamento dos sindicatos ao Estado. Outro fatores são particulares do anarquismo, como a confusão entre os níveis de atuação, ausência de uma organização política anarquista para sistematizar os acúmulos políticos no momento de refluxo das lutas sociais.

Na sequência a fala abriu uma roda de diálogo sobre as possíveis contribuições da greve geral de 1917 com o atual cenário. Especialmente por ocorrer no dia seguinte da votação, pelos deputados federais, da reforma trabalhista. Um duro golpe em nossos direitos. Neste sentido, as falas lembraram da necessidade da organização das trabalhadoras e trabalhadores pela base, com independência de classe e combatividade, construindo um campo de diálogo e solidariedade com as demais lutas contra as diferentes formas de opressões.

Cinema, café e bate papo

No processo de erguer a organização política anarquista, entendemos como necessário a retomada das ações culturais e artísticas para construção de novas subjetividades em combate aos sujeitos neoliberais que nos tornamos nessa sociedade capitalista, individualista e opressora. Neste intuito iniciamos um diálogo, desde a sua fundação, com o Espaço Cultural Casa Iririú, onde realizamos e apoiamos os trabalhos do local. Uma dessas parcerias é o cine-clube “Cinema, Café e Bate Papo”. Em 2016, realizamos uma mostra com filmes temáticas a Revolução Social na Espanha por conta dos 80 anos do levante popular contra o fascismo e o capitalismo.

Em 2017 exibimos o documentário curta metragem “O sonho não acabou”, dirigido por Cláudio Kahns, produzido nos primeiros anos da década de 1980, com depoimentos do historiador autodidata Edgar Rodrigues e da anarquista Elvira Lacerda. O filme aborda o teatro social realizado pelo movimento operário no contexto da greve geral de 1917. A atividade contou com participação de 18 pessoas, entre trabalhadoras e trabalhadores da cultura e da educação, além de trabalhadores/estudantes.

Um novo mundo a construir

Em seis anos de construção da organização política anarquista em Santa Catarina, atuamos inseridas e inseridos nos movimentos sociais e procuramos identificar as expressões históricas das classes oprimidas, como apresentado neste modesto relato. O intuito não é olhar para o passado e tratar derrotas da nossa classe como vitórias, nem ideologizar as práticas do povo. Neste sentido, ao encontrarmos a atuação do sindicalismo revolucionário em Joinville, a entendemos como um elemento da construção da resistência urbana contra os governos e os patrões. Em nosso entendimento, no momento de luta e confronto com o capitalismo, reescrevemos as nossas memórias de rebeldias, amor e resistência.

Posted in: Atividades