Relato e fotos do VIII Sarau Primeiro de Maio

Posted on 08/05/2022 by

0


Em sua oitava edição, realizamos mais um Sarau 1º de Maio. Neste ano, a data caiu em um domingo de sol, que reuniu dezenas de pessoas dentro da Associação de Moradores e Amigos do Bairro Itinga (Amorabi) e aqueceu nossos corações e nossos corpos que dançaram a cultura popular.

Neste ano, lembramos a importância das artes para nossas vivências e rebeldias, que somos seres culturais, apesar da burguesia nos enxergar apenas como peças de um maquinário que apenas produz. Em mais um 1º de maio dissemos que não, resistimos ao cotidiano do capital que esmaga nossos sonhos, nosso lazer e nossa arte, fomos fortes, unidos e brincamos no 1º de Maio.

Importante, porém, lembrar das vidas que se foram, vítimas de um Estado genocida, que visa o lucro ao invés da vida. Pelos companheiros que partiram, mantemos vivas suas memórias. Dos mártires de Chicago aos familiares e amigos mortos no contexto da pandemia do Covid-19.

Unidos, em memória de companheiros e companheiras, e celebrando a vida entre nossos pares, cantamos com a apresentação de Eu Também Sou Zé, vibramos com a Palhaça Tulipa, celebramos com os Poemas Lagunáticos, dançamos com o Baque Mulher, jogamos a Capoeira Integrativa e partilhamos alimentos e emoções.

Abaixo, deixamos alguns registros fotográficos deste Sarau que aqueceu nossos corações e nos uniu em solidariedade de classe. Mais abaixo, também compartilhamos nossa carta de abertura e as Poesias Lagunáticas declamadas na atividade.

Seguimos na luta do dia a dia. VIVA O ANARQUISMO! LUTAR, CRIAR, PODER POPULAR!

 

As fotos são de @cassi.reis.olhares.

Carta de Abertura do VIII Sarau Primeiro de Maio

Olá, boa tarde a todas as pessoas companheiras presentes.

É com uma alegria embriagada por amor e rebeldia que nós, do CABN, COLETIVO ANARQUISTA BANDEIRA NEGRA, integrante da CAB, COORDENAÇÃO ANARQUISTA BRASILEIRA, idealizamos, e agora acontece, o OITAVO SARAU PRIMEIRO DE MAIO.

Este é o nosso dia, de quem rala cotidianamente em diferentes locais de moradia, trabalho, educação e lazer, em meios urbanos e rurais. Este não é um dia para comemorar o trabalho, mas é um momento de cruzarmos os braços e olharmos para as nossas histórias de lutas, derrotas e vitórias contra toda classe dominante, que impõe um mundo cruel com suas diferentes formas de opressão e exploração.

Este é o momento para lembramos das nossas irmãs e irmãos que morreram durante a pandemia gerida por genocidas, como Bolsonaro, Johnson, Putin, Trump, Biden, Moises e Adriano. Estas são as caras e vozes da vez para mandar de acordo com os interesses políticos e econômicos de uma minoria mais rica que continua a lucrar na pandemia, deixando mais de seiscentos e sessenta mil mortos, somente no Brasil.

Agora, por favor, ao povo presente, pedimos um momento de silêncio pelos corpos que se tornaram ausentes no contexto da pandemia, mas que continuam presentes em nossas memórias e corações. 

O dia Primeiro de Maio é dia de transformar luto em luta, mas não a luta proposta pelos de cima, com suas guerras lucrativas que jogam o povo contra o povo. É dia de nos colocarmos contra a máquina de guerra e nos organizarmos para sabota-la, seja a do Estado Russo, da OTAN ou da Polícia Militar. 

É dia de encaramos o desafio de intensificar ainda mais os trabalhos em nossas bases, pondo à frente a luta contra a fome e a precarização que vem batendo cada vez mais forte no povo empobrecido, nas regiões periféricas, ocupações, escolas, bairros, nos campos e nas florestas. Este é um dia para nos colocarmos na mobilização pela saída urgente de Bolsonaro e seus comparsas e, independentemente do resultado das urnas, compor as trincheiras que constroem lutas locais, garantindo vitórias através da auto-organização. 

O CABN busca contribuir na construção de uma identidade rebelde, fazendo uso das memórias e das histórias das classes oprimidas de locais próximos e longes daqui. Desde 2015, fizemos a opção de construir um espaço público da organização para envolver todos e todas companheiras da militância, anarquistas ou não, mas que estão comprometidos com a luta e organização popular. Queremos socializar as diferentes expressões de arte e cultura que fazemos, mas que o capitalismo nos proíbe de tornar públicos. Afinal, para o sistema capitalista somos apenas peças de uma engrenagem que produz. 

O nome do espaço é SARAU PRIMEIRO DE MAIO. A  escolha do dia é para trazer aos nossos olhos, ouvidos, mentes e corações como a data de hoje é um marco fundamental para a  classe trabalhadora. Como escreveu o cronista Carlos de Oliveira:

o 1º de Maio é o dia para lembrar e dar importância a todos e todas trabalhadores e trabalhadoras do mundo. Um dia para dedicar e homenagear os Mártires de Chicago. Oito pessoas que foram mortas pelo governo e patrões. Todos que, hoje, ainda precisam dedicar seus esforços para enriquecer poucos, devem dedicar ao menos uma tarde do ano para Albert Parsons, Louis Lingg, Adolph Fischer, George Engel, August Spies, Michael Schwab, Samuel Fielden e Oscar Neebe.

E dos nossos mártires de Chigado partimos para somar nas ruas tomadas por barricadas desde a Comuna de Paris de 1871, até as várias cidades brasileiras com as resistências e organizações operárias de 1917. Tomamos parte dos intensos dias e noites da Revolução Social na Espanha de 1936, aos levantes operários e estudantis em Praga, Paris, México e São Paulo em 1968. Contra a carestia e o aumento do custo de vida, pelos que estão na linha de frente por saúde e os que lutam por vida digna.

Neste ano, depois de duas edições digitais transmitidas pelo YouTube, no canal da Coordenação Anarquista Brasileira, voltamos a fazer o sarau presencial, na Amorabi e trazemos como tema para esta oitava edição a “ARTE E ORGANIZAÇÃO POPULAR DAS REBELDIAS”. 

Na correria do dia a dia do capital que nos esmaga, acabamos impedidos de pensarmos as nossas práticas rebeldes. E, ainda assim, quando o tema chega em nossos debates, geralmente é em tom de condenação da rebeldia. Nos discursos das classes dominantes, quando percebem que não podem contra nossos atos rebeldes, tentam apagar nossa voz, que são convocadas apenas para estampar peças publicitárias em nome do lucro e de uma democracia burguesa. Mas nos bastidores da vida, continuam a desrespeitar nossos direitos à saúde, alimentação e lazer.

Nós somos anarquistas! Não acreditamos na sociedade baseada na hierarquia e exploração em nome da classe burguesa com seu racismo, machismo, LGBTQIfobia, colonialismo e todas formas de opressões. Alimentamos as nossas imaginações já buscando um futuro em que todas as pessoas oprimidas possam, junto a sua comunidade, criar um  mundo novo, em que o Estado seja superado pela autogestão, liberdade e igualdade. As nossas ações rebeldes são como um agricultor, que no seu ofício, ao retirar sementes do pequeno pacote surrado, olha para a mão cheia, já imaginando o campo em abundância de alimentos para  todos os povos do mundo. 

Entre o ato de produzir no campo e nas cidades, muitos de nós, em segredo, ou de modo discreto, criamos rebeldias. Somos como a população cabocla de pouco mais de cem anos atrás, que ocupou o solo do que se convencionou a chamar de fronteira entre Paraná e Santa Catarina, mas que nossa memória de luta chama de Contestado. Uma população abandonada pelo Estado republicano, explorada por grandes companhias imperialistas e acolhia por uma esperança popular de um paraíso, reuniu suas forças para, em solidariedade, trabalhar na roça do vizinho. E no fim da jornada coletiva de esperança, as músicas eram criadas por artistas populares com mãos calejadas pelo clima, e pelas pás, enxadas e facões. Ali mesmo, faziam sua dança, sua música e sua arte.

Ao olharmos com mais atenção ao que nos cerca, do passado ao presente, é possível compreendermos que a arte não está separada de outras instâncias da vida. Ela nos move, e com amor e rebeldia, alimenta quem somos hoje para alcançarmos, com passos cuidadosos e firmes, a sociedade que queremos amanhã.

É por isso, que depois de dois anos fazendo o sarau virtualmente, voltamos com muita alegria para essa edição presencial do sarau 1º de Maio. Nos últimos anos, principalmente, muito nos foi negado, e em muitos momentos nossa rebeldia foi sufocada pelo luto, pelo isolamento e pelas dificuldades econômicas imposta pelos de cima. Mesmo assim, não deixamos de marcar e reivindicar nesta data tão importante. Os Saraus de 2020 e 2021, apesar de virtuais, trouxeram lampejos de esperança, amor e rebeldia diante da dureza da vida cotidiana.

É simbólico que nosso retorno presencial seja feito na AMORABI, um espaço de luta popular que resistiu nesses últimos dois anos realizando ações de apoio mútuo e solidariedade. Queremos agradecer à AMORABI, não só por nos receber nesse espaço, mas por ter, nesses tempos tão dificeis, mantido a chama da luta popular acesa. Seja no acolhimento das necessidades mais básicas, nos projetos de educação popular ou na arte. 

Queremos com esse sarau, alimentar essa chama e incendiar os corações das e dos que lutam com amor e rebeldia. Enquanto a esquerda institucional martela que a única saída é tirar o título de eleitor, nós acreditamos que a saída está na luta popular. Nos organizando nos sindicatos, movimentos populares, associação de moradores, nas escolas e nos territórios. Não, não nos basta mudar quem está na direção da estrutura de poder, nós queremos muito mais. Queremos um povo forte, organizado desde baixo e à esquerda. Queremos o fim do capital, do Estado e de todas as estruturas de opressão e exploração. Queremos um mundo novo, onde caibam todos os mundos.  É com esses objetivos que declaramos iniciado o oitavo sarau 1º de Maio!

VIVA O ANARQUISMO!

SÓ A LUTA MUDA A VIDA!

LUTAR, CRIAR, PODER POPULAR!

Poesias Lagunáticas

lagunática

1
gen.tí.li.co
fala sobre o local onde se nasce, habita ou procede
também dizem ser adjetivo pátrio
resultado da suposta pátria que nos pariu

2
lu.ná.ti.ca
quem é influenciada pela lua, aluada
quando orbita por fora do centro, excentricamente divagante
chamada louca por viver em um corpo celeste sonhando outro:
no mundo da lua

ainda que quem viva na laguna pudesse ser peixe
chamam lagunense a quem vive de alguma forma naquela terra
eis o gentílico estático

quando pertencer não se impõe
e viver no local é divagar entre seus caminhos
gentílico é pouco: é preciso ser gente-território
influenciar e se influenciada tal qual maré

a poesia que nasceu das entranhas ventosas da laguna
ao lado dos peixes loucos e dos botos descentrados
chamamos la.gu.ná.ti.ca

la.gu.ná.ti.ca
não é gentílico pois não há pátria
aqui estado nenhum nos deu nada
e esse papo de nação não nos interessa
afinal 1° de maio é data do mundo

la.gu.ná.ti.ca
existe apenas no pertencimento
de algo nas terras da rebelde anita
que influenciou linhas
de quem vive sonhando um outro mundo
nesse mesmo corpo celeste

 

homenagem à coruja #1

aqui tem coisa boa de ver e de falar
araçá, ingá, cambará
ninguém vai derrubar
gravatá, jerivá, jacarandá
sai pra lá

a gente quer encher a boca
guabiroba, jurubeba, pitanga,
guamirim, tiririca, embaúba (essa é minha favorita)
resgatar as palavras de resistência
xaxim, tarumã, caeté, butiá (de preferência do miúdo)
mato que segue de pé, povos também

é cada coisa que o povo inventa
chup-chup, papa-mosca, banana de imbé,
capim-rabo-de-burro, chocalho-de-cascavel, topete-de-cardeal,
jasmim-catavento
com esse nordestão bota vento nisso

falou de vento tem que falar de praia
mas aí vai até cansar vocês
porque tem feijão-da-praia, hibisco-da-praia, junco-da-praia
tem algodoeiro-da-praia, pinheirinho-da-praia, batateira-da-praia
tem capim-da-praia, canelinha-da-praia, orquídea-da-praia

é peixe no mar, assapeixe no chão e luta na mão
ou como o pessoal fala
caúna rede é peixe

essa gente sempre foi meio manoel de barros
gosta das coisas lentas e mais pequenininhas
vassourinha, carquejinha, camarinha
capororoquinha, margaridinha, meladinha

chamaram até de jacatirãozinho
mas com 8 metros de altura
a gente é que parece baixinho

sempre-viva na missão
pega-pega a visão
cuida da sua cabeça e do seu temperamento
olha pras plantinhas e me diz
a aroeira hoje tá braba, tá mansa ou taboa?

 

corpo-cidade-memória

sinistra

(leio entre o rádio e a cicatriz)

a primeira vez que conscientemente decido ir para a esquerda
como uma via
uma opção de rota

gosto de como as plantas conseguem crescer atemporalmente no concreto
planta não tem tempo
planta tem luz

ainda que açores tome a placa
e a arquitetura portuguesa as vigas
não há nada que não tenha alma indígena
ou do sangue derramado no solo
ou no suor de erguer as construções
a cidade é sambaqui efêmero
tentativa de ter em si
a eternidade da concha

ainda assim gosto de esquinas
já foram três e ainda sigo
talvez porque no final
veja a lapa
tatuagem invisível que me guia como estrela
como um relance
ou miragem
devaneio
arcos de água, feito eu

a bandeira que flamula no prédio
(verde e amarela, bem démodé)
é mais jovem que o parapeito que a sustenta
não digo suas costuras
mas seu símbolo

o que serve pra entender como nada dessa baboseira de estado-nação
impérios
reinos
nada nos importa
no fundo, são menores que os prédios
mais suscetíveis à passagem do tempo
do que concreto

se for pra ter bandeira
ser bandeira
que seja vermelha e preta
diagonais exatas do luto e sangue
não divisão, mas encontro
(toda fronteira é na verdade reunião)
que é exatamente o que nos torna humanos
animais
efêmeros

(silêncio)

parei pra comer
e de mão cheia fica difícil falar

assim como de boca vazia
na cidade
falta algo

se fosse apenas pra se ver
qual graça teria para todos os outros sentidos?

rua tem sabor
sempre tem
camarão com abacaxi nas paralelas lagunáticas
da mesma forma que posso sentir na língua
o rio em pipoca doce

me despeço da rainha
mais uma placa
sem contexto
em um território sem monarquia própria

rainha nessas terras só teresa de benguela
raiando liberdade pantaneira
da insubmissão quilombola
(a rainha do rio guaporé ainda vive naquelas águas
contra a labareda latifundiária)

pras outras rainhas
reis
imperadores ou bandeirantes
os oligo-ricos-nazi-empresários
qualquer um que cruzou o atlântico
para abrir avenidas e feridas no sul
torço apenas para que
cortem suas cabeças

com a mesma sutileza que uma planta
rompe o concreto
e como a mesma certeza que hoje viro à esquerda
sinistra